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Nesse dia, meu pai apareceu em casa todo molhado. Estaria chovendo? Não, que o nosso telhado de zinco nos teria avisado. A chuva, mesmo miudinha, soaria como agulhinhas esburacando o silêncio.
- Caiu no rio, marido?
- Não, molhei-me foi por causa dessa chuva.
- Chuva?
Espreitamos pela janela: era uma chuvinha suspensa, flutuando entre céu e terra. Leve, pasmada, aérea. Meus pais chamaram àquilo um "chuvilho". E riram-se, divertidos com a palavra.
Até que o braço do avô se ergueu:
- Não riam alto, que a chuva está dormindo...
Durante todo o dia, o chuvilho se manteve como um cacimbo sonolento e espesso. As gotas não se despenhavam, não soprava nem mais uma pequena brisa. A vizinhança trocou vivitas, os homens fecharam conversas nos pátios, as mulheres se enclausuraram. Ninguém se recordava de um tal acontecimento. poderíamos estar sofrendo maldição.
A Chuva Pasmada
de Mia Couto
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