quarta-feira, 3 de julho de 2013

Um livro por dia...

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   Soube que tinha acontecido algo de irreparável no instante em que um homem veio abrir a porta daquele quarto de hotel e vi a minha mulher sentada no fundo, a olhar pela janela de um modo muito estranho. Foi no meu regresso de uma curta viagem, apenas quatro dias por um assunto de trabalho, diz Aguilar, e garante que ao partir a tinha deixado bem. Quando saí não havia nada de esquisito com ela, ou pelo menos nada fora do habitual, certamente nada que anunciasse o que ia acontecer-lhe durante a minha ausência, a não ser as suas premonições, claro está, mas como podia Aguilar dar-lhes fé se Agustina, a sua mulher, está constantemente a prever desgraças, ele tentou por todos os meios chamá-la à razão mas ela não dá o braço a torcer e insiste em que tem desde criança aquilo a que chama um dom dos olhos, ou visão do vindouro, e só deus sabe, diz Aguilar, como isso transtornou as nossas vidas. Desta vez, como todas as outras, a minha Agustina previu que algo iria correr mal, e eu, como sempre, ignorei o seu prognóstico; saí da cidade numa quarta-feira, deixei-a a pintar de verde as paredes do apartamento, e no domingo seguinte, ao regressar, encontrei-a num hotel do Norte da cidade, transformada num ser aterrado e aterrador que quase não reconheço. Não logrei saber o que lhe aconteceu na minha ausência porque se lho pergunto ela insulta-me, custa a querer quão feroz chega a ser quando se exalta, trata-me como se eu já não fosse eu nem ela fosse ela.
Delírio
Laura Restrepo
 

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