sexta-feira, 19 de julho de 2013

Leituras ao sol

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   Sou negro mas sou rei. Talvez um dia mande inscrever no frontão do meu palácio esta paráfrase do canto da Sulamina Nigra sum, sed formosa. Com efeito, haverá maior beleza para um homem que a coroa real? era uma certeza tão definitiva para mim que nem pensava nela. Até ao dia em que o loiro irrompeu na minha vida...
   Tudo começou quando da última lua de Inverno por uma advertência assaz nebulosa do meu principal astrólogo, Barka Mai. É um homem honrado e escrupuloso cuja ciência me inspira confiança na medida em que ele próprio desconfia dela.
   Sonhava no terraço do palácio perante o céu nocturno cintilante de estrelas onde perpassavam os primeiros sopros cálidos do ano. Após uma tempestade de areia que durara oito longos dias, era a remissão, e eu enchia os meus pulmões com a sensação de respirar o deserto.
   Um leve rumor advertiu-me de que um homem estava atrás de mim. Reconheci-o pela discrição da sua aproximação: não podia ser senão Barka Mai.
   - A paz esteja contigo, Barka. Que notícias me trazes? - perguntei-lhe.
   - Não sei quase nada, Senhor - respondeu.me com a sua prudência habitual -, mas este nada não to devo esconder. Um viajante vindo das nascentes do Nilo anuncia-nos um cometa. 
Gaspar, Belchior e Baltazar
Michel Tournier 

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