quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um livro por dia...

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   A jovem tinha malares altos, altos, altos. Diziam-lho. Ela mascera pobre, instruíra-se pouco, ambicionava muito. Confundia-se, baralhava-se. Malares? Molares? Malabares? Um dia foi ver ao dicionário. Maças do rosto. Olhou no espelho com atenção e achou bonito. Entendeu que lhe faziam um elogio com os malares altos, altos, altos. Passou a gostar. Do que ouvia, a si própria. Resolveu ir para modelo. Passeou os seus malares altos, altivamente, por muita revista de moda, muita passarela. Eu tenho os malares altos, dizia, aconchegando o cabelo que usava sempre puxado para trás, apanhado em complicados carrapitos a que ela aprendeu a chamar nomes estrangeiros como chignon e coque. Tudo para realçar os já alçados malares: o gesto de aconchegar o cabelo, os complicados carrapitos, os seus nomes estrangeiros. E dizia ainda eu tenho os malares altos, quando pensava  que alguém não notara tão elevados e enaltecidos ossos - ou fingia que não notava. Sobretudo raparigas da sua idade, rivais. Que lhe falavam em pernas altas e esbeltas, em cabelos loiros - coisas que ela não tinha, mas tinha as outras, rivais. Ou bustos esplendorosos. Ou andar coleante, estonteante. Lucinda não tinha muita coisa. Ou melhor, tinha tudo aceitável, médio. Espantosos mesmo, só esses malares altos - que tornavam o seu olhar um enigma, o seu porte majestoso, o seu andar indefinidamente deslizante, as suas pernas pedestais.
O Enviado
Maria Isabel Barreno 

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