quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um livro por dia...

                                                                                      palavras-impressas.blogspot.com


   Na altura eu trabalhava como redactor cultural de um diário de quinta categoria. A secção a meu cargo guiava-se pela concepção de arte do director que, orgulhosos das suas amizades no ambiente, me obrigava a incorrer nos crimes de entrevistas a vedetas de companhias frívolas, resenhas de livros escritos por ex-detectives, notas a circos ambulantes ou louvores desmedidos ao hit da semana que pudesse engenhar o filho de qualquer vizinho.
   Nos gabinetes húmidos dessa redacção agonizavam todas as minhas ilusões de ser escritor. Ficava até de madrugada a começar novos romances que deixava a meio do caminho desiludido com o meu talento e a minha preguiça. Outros escritores da minha idade obtinham considerável sucesso no país e até prémios no estrangeiro: o da Casa das Américas, o da Biblioteca Breve Seix-Barral, o da Sudamericana  e Primeira Plana. A inveja, mais que um incentivo para acabar alguma vez uma obra, funcionava em mim como um duche frio.
   Pelos dias em que cronologicamente começo esta história - que tal como os hipotéticos leitores notarão arranca entusiasta e termina sob o efeito de uma profunda depressão - o director reparou que a minha passagem pela boémia tinha aperfeiçoado perigosamente a minha palidez e decidiu encomendar-me um serviço à beira-mar, que me consentisse uma semana de sol, vento salino, marisco e peixe fresco, e de caminho importantes contactos para o meu futuro.
O Carteiro de Pablo Neruda
Antonio Skármeta

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