Será que remendo isto com palavras ou falo do que aconteceu de facto, não aqui, em Lisboa e em Luanda cinco anos atrás? Cinco anos é muito tempo
eu sei
mas às vezes, ao acabar o dia, nesta fazenda de que me não ocupo
(ninguém se ocupa, ocupam-se os pássaros que vão engolindo sem pressa, a fitarem-me de lado, o que sobeja do girassol e do algodão)
a cinquenta ou sessenta quilómetros de onde tudo se passou, nesta construção colonial que pertenceu ao chefe de posto
a um qualquer chefe de posto que não cheguei a conhecer e na angústia da fuga
(fuga para onde se não se foge de Angola, só demasiado tarde compreendi que não se foge de Angola, a Europa demasiado longe e depois a indiferença, o cansaço, a idade porque nos gastamos tão depressa em África, um encolher de ombros, uma resignação de
- E depois?)
nesta construção colonial em que um qualquer chefe de posto deixou o retrato dos filhos que mal se distinguem na moldura de adesivo e que à noite, depois da segunda garrafa, principio a imaginar meus, a pensar que me pertencem tal como a casa me pertence por não pertencer seja a quem for, uma sala, uma cozinha, um chuveiro lá fora, isto é um balde ao contrário que um prego balança de um arame torto e uma aldeia de velhos...
António Lobo Antunes
Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo
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